Em tempos de greve e mobilizações, que tal falar sobre a ética profissional?

Tempo de leitura: 6 minutos
ética profissional

O que a situação atual do país nos ensina sobre ética profissional?

Com a greve dos caminhoneiros e seus desdobramentos,  tenho visto nas redes sociais a indignação das pessoas com a postura de diversos postos de gasolina (vendendo gasolina a preços altíssimos por causa da escassez), dos supermercados e sacolões (vendendo ovo a preço de ouro, dentre outros produtos), das brigas e subornos nas intermináveis filas que se formaram para abastecer os carros, da falta de solidariedade com a luta alheia, dentre outras coisas. Isso traz à tona uma importante discussão: ética profissional.

Bom, todo esse debate trouxe à tona esse assunto esquecido que, em meio à nossa extensa pauta de assuntos importantes, acaba sendo relegado ao último plano, último item da pauta de reuniões,  deixado para o final e que pouca gente fica para discutir, ou porque “precisava sair antes” ou porque já “conhece demasiado o assunto”.

Tenho percebido que quando a ética profissional é tema de uma disciplina nos cursos de formação acadêmica, geralmente de graduação ou técnicos, pode-se verificar a frequência dos alunos: baixíssima. Querem logo saber qual será o método de avaliação e controle de ausências para descobrirem como burlar o sistema, passar na disciplina “dando um jeitinho”. Afinal, ficar no último horário de aula discutindo ética é perda de tempo, como dizem alguns. Todo mundo tem “coisa melhor pra fazer”, como beber, se divertir ou namorar. Ética? Bobagem. E é com esse pensamento que são formados os profissionais que atuarão ou atuam no mercado, vendendo produtos os serviços que os demais cidadãos irão consumir.

Pouca importância se dá à ética profissional em nosso país (infelizmente), apesar de parecer até mesmo senso comum o argumento de que “é fundamental ser ético”. O discurso da ética tem incorporado até mesmo a identidade corporativa das organizações, sendo citada em seus “valores” ou “missão”. Só não se mede o quanto esse discurso corresponde à prática ou reflete, de fato, a cultura organizacional e o seu corpo funcional, de cima a baixo.

O Código de Conduta é uma das ferramentas utilizada por gestores para tentar garantir homogeneidade de conduta e pensamento dentro das organizações, pois dissemina seus princípios básicos, tornando-os públicos. Mas ainda que seja uma das formas de alinhar teoria e prática, nem sempre tem a eficácia desejada, principalmente quando a cultura da organização, construída coletivamente, não reflete em si seus princípios mais profundos. Para “piorar”, a postura ética na vida profissional de um indivíduo só irá existir se este tiver uma postura ética na vida, coisa que vem de berço e de cultura. Assim, criados na cultura do “jeitinho brasileiro” e da “malandragem”, podemos dizer que nós brasileiros engatinhamos quando o assunto é ética, salvo alguns bons berços que existem por aí. Temos boas publicações sobre ética, sua importância e seu papel. Mas a prática precisa evoluir – e muito – para ser coerente com o discurso.

Mas, vejamos as coisas pelo lado positivo. Grandes mudanças são processuais e gradativas. Ou seja, estamos no rumo certo, e caminhando. Algumas organizações são vanguarda nas atitudes e nos valores éticos. Outras, ainda não subiram neste bonde – e vão demorar a subir (quantos picaretas e charlatões vemos por aí?). Várias estão em fase de transição, seja por iniciativa própria, seja por pressão do próprio mercado. Mas é certo que é nosso (de cada um de nós) o papel de mudar de atitude em relação à ética.

Meu amigo (posso assim dizer) e ex-professor Jansen muito nos falou sobre Marketing de Relacionamento e sobre a capacidade das empresas de se relacionarem intimamente com seus clientes e parceiros como uma vantagem competitiva. Relacionamento traz fidelização. Isso é fantástico, não somente pelo que oferece de benefícios tangíveis; posso apostar que a interatividade entre organizações e públicos, potencializada pela chama web 2.0, traz muitos avanços nos negócios no que diz respeito à ética, pois as ações dessas entidades precisam corresponder ao discurso politicamente correto. Afinal, como já sabemos, o consumidor desta era é muito bem informado (e obtém qualquer informação que precisa através do Google ou de outros mecanismos de busca), exigente e tem disponível para si uma infinidade de produtos e serviços de diversas empresas. Naturalmente, este consumidor – globalizado e defensor de novos valores ligados à ecologia, sustentabilidade e responsabilidade sócio-ambiental – tenderá a optar por comprar de organizações idôneas e transparentes. Na pior das hipóteses, compra por alívio na consciência: não faço minha parte mas compro de quem faz (digo “na pior das hipóteses” porque realmente acredito que essa postura diferente das pessoas é verdadeira, e não apenas fachada). Assim, não adianta esconder a sujeira debaixo do tapete. Entrar nesse mercado com teto de vidro pode ser um desastre. O consumidor pode nocautear quem der “a cara a tapa”.

 

Mas, afinal, o que é ética?

A palavra “ética” vem do grego “ethos”. Seu significado está ligado aos costumes, conduta e regras de comportamento; trata-se do estudo da moralidade do agir humano. A ética não está baseada em regras rígidas; ela propõe uma reflexão sobre a ação dos indivíduos perante a sociedade e a moral, um questionamento sobre o agir. Claro que essa reflexão não é e nem pode ser balizada somente por pensamento individual; a ética está ligada à moral e costumes de uma sociedade. Essa tendência do ser humano de colocar seus interesses individuais em primeiro plano, principalmente quando esses interesses prejudicam a coletividade, certamente não é uma atitude eticamente aceitável. Dessa forma, a ética está intimamente ligada às decisões que as pessoas tomam ao longo da vida, as quais devem estar baseadas nos compromissos éticos que escolheram seguir e daqueles que são socialmente construídos (falo isso porque alguém pode dizer que, em sua concepção, o suborno não é antiético; aqui, temos que observar regras socialmente aceitas e até mesmo as leis). Assim, a ética profissional só se efetivará se houver ética pessoal, e esta não existe sem responsabilidade e decisão.

Não é de hoje que a nossa sociedade discute os conceitos e a abrangência da “ética profissional”. Ao completar a formação em nível superior, por exemplo, é necessário ao formando fazer um juramento, que significa comprometimento e adesão aos princípios e valores da categoria profissional que está ingressando. Da mesma forma, membros de uma empresa geralmente precisam entender e aceitar o código de conduta da organização, seus valores (explícitos ou não) e a sua cultura organizacional, que muito diz sobre seus princípios. Mas a ética profissional é mais do que isso. Ela se estende e se confunde com a vida pessoal, pois não é possível dissociar o indivíduo e separá-lo em categorias como trabalhador, pai, marido; ele é um só e carrega consigo todos os papéis e atividades que desenvolve. Então, sob esta ótica, seria incoerente desenvolver projetos para uma ONG ambientalista e não reciclar o próprio lixo; ser vegetariano por respeito aos animais e trabalhar em um açougue; ter uma empresa baseada nos princípios da sustentabilidade e da responsabilidade sócio-ambiental e subornar fiscais para conseguir licenças ambientais.

Mesmo o fato de uma pessoa trabalhar em uma área que “não escolheu livremente”, ou seja, alguém que tenha escolhido a profissão porque precisa trabalhar para sustentar a si e sua família, não a isenta de responsabilidade e ética profissional e não a exime de cumprir seus deveres. Por isso, é importante pensar que toda a fase de formação profissional ou treinamento não deve abranger somente o aprendizado de habilidades, competências e técnicas de determinada área: deve incluir a reflexão sobre a ética profissional. Assim, ao longo da formação o profissional estará maduro para assumir os compromissos éticos aos quais estarão submetidos na execução de suas atividades. Afinal, a escolha por uma profissão é optativa, mas ao escolhê-la, o conjunto de deveres profissionais passa a ser obrigatório.

Como toda ciência humana, a ética não é estática: ela evolui ao longo do tempo. Assim como nos campos das descobertas da medicina, da indústria, da tecnologia e até do marketing e gestão, observa-se uma avalanche de mudanças e desenvolvimento em um curto espaço de tempo, na mesma velocidade caminha a produção de informação e de conhecimentos, científicos ou não. Nesse contexto, a ética ganha destaque nos debates a respeito do comportamento humano, os quais são necessários para pautar a conduta humana em um mundo em constante mudança de realidade e, por conseguinte, de valores. Afinal, a própria globalização e a interdependência entre profissões, empresas e mercados no globo fazem com que ações individuais ou decisões tomadas possam influenciar a vida de terceiros e, por isso, devem ser pensadas eticamente e com responsabilidade.

Neste contexto, hei de concordar com a afirmação: “(…)há uma série de atitudes que não estão descritas nos códigos de todas as profissões, mas que são comuns a todas as atividades que uma pessoa pode exerce”. E mais: “é preciso sempre continuar melhorando, aprendendo, experimentando novas soluções, criando novas formas de exercer as atividades”, em outras palavras, estar aberto a mudanças. “Isto tudo pode acontecer com a reflexão ética incorporada a seu viver. E isto é parte do que se chama empregabilidade.” Nos tempos atuais, a ética e a postura têm sido valorizados por parte de quem contrata. Técnicas, podemos aprender; pode-se aprender a fazer o serviço ou formar-se profissional de determinada área. Mas a conduta, que abrange princípios éticos e outros mais, é difícil de aprender ou mudar. Está na raiz; como disse, vem de cultura e de berço.

O fato de focarmos dinheiro e lucro na condução dos negócios faz com que deixemos, muita vezes, a ética de lado. Preferimos burlar nossos valores e princípios, ou os valores e princípios de nossa profissão / organização, do que deixar de ganhar dinheiro, market share ou mesmo uma concorrência. Se todo mundo tem seu preço, a minha percepção é que este preço está cada vez mais “barato”, mas fácil de ser pago. “O egoísmo desenfreado de poucos pode atingir um número expressivo de pessoas e até mesmo influenciar o destino de nações, partindo da ausência de conduta virtuosa de minorias poderosas, preocupadas apenas com seus lucros.”

Talvez tenha me extendido demais no discurso sobre a ética, mas é bom que tenha mostrado a abrangência e relevância de um assunto tão importante e tão “inacabado”. A intenção é realmente propor uma reflexão e trazer à tona uma discussão sobre o tema. Fiquem à vontade para comentar o texto.

 

Por Thais Wadhy, com ajuda de Cristiana Alves.