Por que o direito à licença maternidade não é motivo para deixar de contratar mulheres

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Mulheres conversando em ambiente de trabalho, uma delas está grávida e tem direito à licença maternidade.

Entenda e drible o mito de que a maternidade e a “natureza feminina” tornam a mulher um recurso não lucrativo para as empresas.

Como empresário, você acha que “vale a pena” contratar mulheres? A opinião popular sobre esse aspecto costuma ser bastante enviesada. Existem diversos profissionais, gestores e empreendedores que acreditam que, a partir dos 30 anos, toda mulher tem um instinto maternal natural e próprio que vai fazer com que ela decida colocar a sua carreira em segundo plano para ter filhos e se dedicar à família.

Outro ponto que se soma a essa noção é o fato de líderes verem o direito a uma licença maternidade extensa como um motivo para não contratá-las. Há ainda a visão comum de que as profissionais em geral, principalmente quando engravidam, são mais frágeis e precisam ser poupadas de tarefas complexas, desafiadoras.

O resultado de todas essas crenças, que são bastante populares e pouco verdadeiras, é negativo, tanto para carreiras femininas quanto para empresas. Elas impedem que as mulheres competentes e experientes sejam reconhecidas pelas suas competências, promovidas ou conquistem uma posição de liderança nas corporações. Mas e você, acredita em alguma dessas afirmações populares?

Como empresário, é indispensável que você reflita sobre essas noções tão comuns para entender se suas premissas são mesmo válidas. Afinal, desvendando isso, você pode garantir que as relações de trabalho que acontecem dentro da sua empresa não se deem de forma negativa, ou até mesmo preconceituosa. Portanto, fique atento a seguir para compreender esse tema com base em estudos científicos!

O que é verdade sobre o instinto maternal feminino?

É fato que há uma grande variedade de diferenças entre mulheres e homens. Porém uma pesquisa realizada pelas professoras Herine H. Tisnley e Robin J. Ely revelou conclusões importantes. Ao contrário do que a opinião popular dita, os gêneros são extremamente semelhantes em suas inclinações, atitudes e habilidades.

Segundo as estudiosas, as circunstâncias em que cada indivíduo vive são as reais responsáveis por suas decisões e atitudes. Sendo assim, o gênero de uma pessoa não a torna mais comprometida com a família em detrimento de sua carreira, por exemplo. Muito menos faz com que um seja inferior ou superior a outro.

Infelizmente, a visão popular é de que a mulher é o “sexo frágil”, sensível e maternal, e a sociedade funciona em cima dessa lógica há muito tempo. Sendo assim, é indispensável que se inicie um movimento para que essa noção igualitária, e cientificamente comprovada, seja transmitida para todos os níveis, dentro e fora do ambiente corporativo.

Reafirmar e continuar apontando diferenças entre os gêneros só fará com que a disparidade continue tendo espaço. Foi a reafirmação de noções populares, porém errôneas, sobre essas diferenças que tem feito com que elas pareçam “naturais e inevitáveis” e tem mantido as circunstâncias que dão origem à desigualdade.

Como essa noção impacta as carreiras femininas?

Papéis de gênero

Segundo as professoras Tisnley e Ely, a forma como as mulheres e os homens são tratados quando se tornam pais e mães é um entrave. Enquanto a mulher passa a ser resumida pelo estado de maternidade e assume o papel de fragilidade, os homens precisam demonstrar disposição para tomarem a frente da família.

Em face desse cenário patriarcal, a carreira do homem é colocada como prioridade. Já às mulheres, resta uma carreira desfavorecida e insatisfatória, de acordo com artigo de Felipe Betim para o El País.

Em relação a esses papéis de gênero que ficam estabelecidos, a Bluevision apontou que a grande maioria das mulheres vivenciam uma jornada múltipla que pode incluir:

  • carreira profissional;
  • trabalho doméstico;
  • abastecimento da casa;
  • cuidado com filhos, idosos e/ou doentes;
  • organização de orçamento;
  • cumprimento das responsabilidades financeiras.

O trabalho doméstico é apontado como um dos principais responsáveis pelo acúmulo de funções que as mulheres cumprem. A Bluevision também comentou que “os homens que se apoiam no trabalho doméstico gratuito sem tomar parte das tarefas convertem o trabalho alheio em remuneração própria. Isso acontece porque, para trabalhar, as pessoas precisam estar vestidas, com roupas e sapatos limpos, alimentadas, saudáveis e descansadas”.

Ainda seguindo essa linha de divisão desigual e mal embasada de papéis de gênero, os mesmo estudos apontaram que existem 5,5 milhões de brasileiros sem o registro do pai na certidão. As mulheres que são mãe solo já vivem a realidade da jornada múltipla e, como visto, esse cenário não muda mesmo elas possuindo um cônjuge.

Desigualdade salarial

As pesquisadoras Joan C. Williams e Marina Multhaup alertaram sobre os efeitos da forma como as mulheres são vistas no mercado de trabalho. Elas apresentaram em sua pesquisa o conceito de “maternal wall bias“. Ele consiste no “conjunto de pressuposições negativas sobre as competências e o comprometimento das mães”. Segundo as pesquisadoras, essa é uma das grandes causas da disparidade entre atividades, funções e oportunidades que são concedidas a cada gênero nos ambientes de trabalho.

Apesar de as mulheres cumprirem funções múltiplas, o “maternal wall bias” e a noção de gênero frágil contribuem para concretizar mais entraves em suas carreiras. Elas trabalham mais, são altamente competentes, porém recebem menos reconhecimento, menos valor e são fundamentalmente menos remuneradas por empresas, de acordo com a Bluevision.

É comum mulheres sofrerem com os seguintes discriminações no ambiente corporativo:

  • gestores não às concedem funções avançadas;
  • colegas e líderes utilizam discursos didáticos para dar explicações a elas, duvidando de suas sabedoria e competências de forma velada;
  • colegas as interrompem em reuniões e até se apropriam de suas ideias tomando o crédito para si;
  • elas perdem projetos, clientes e funções para os colegas quando voltam da licença maternidade;
  • são despedidas após o período de estabilidade que pospõe a licença maternidade;
  • as avaliações de desempenho ignoram o período de ausência durante a licença maternidade, fazendo com que elas tenham notas mais baixas;
  • elas levam anos para recuperar a posição que ocupavam antes da gravidez.

Todos esses problemas contribuem para que as mulheres continuem sendo desvalorizadas enquanto pessoas e enquanto profissionais. Com esse desprestígio, mesmo quando elas exercem as mesmas funções que seus colegas homens, não há igualdade salarial. O G1 compartilhou que, quanto mais alto o nível da função, maior é a desigualdade salarial. Segundo dados do IBGE apresentados na matéria, as profissionais mulheres chegam a receber apenas 63,4% do rendimento deles.

O que pode ser feito para mudar esse cenário?

Legislação

A Bluevision destacou que um projeto de lei proposto em Março de 2017, e que tramita hoje no Senado, prevê uma multa para organizações que pagam salários diferentes para profissionais de gêneros distintos. O valor seria de até 12 vezes o salário do colaborador que se encontra em desvantagem. Essa proposta apresenta uma medida que remedia o problema da desigualdade salarial. Mas o que pode ser feito para prevenir este e outros tipos de discriminação?

Repensar os papéis de gênero é um dos principais caminhos! A legislação atual do Brasil prevê 180 dias corridos de licença maternidade exclusivamente para mães que trabalham de carteira assinada. Enquanto isso, os pais tem apenas 5 dias corridos de licença paternidade. Esse período pode ser ampliado para 20 dias se a empresa fizer parte do Programa Empresa Cidadã. Você consegue perceber que essa disparidade, por si só, reforça os papéis desiguais de gênero? Foi essa a observação feita pela advogada Bruna Esteves Sá.

Quando um casal heteroafetivo tem um filho, o ideal seria que os pais fossem igualitariamente responsáveis pelos cuidados da criança. Eles devem ter autonomia para fazer a divisão das responsabilidades e o planejamento familiar sem a obrigatoriedade de que a maior responsável seja sempre a mulher. Essa medida foi adotada na Islândia e contribuiu para que o país se tornasse o melhor do mundo para as mulheres.

Com isso, os papéis de gênero, que provocam discriminação contra mulheres e a desigualdade salarial, seriam cada vez menos reforçados. Além disso, com uma licença que pudesse ser dividida entre os pais com autonomia, a licença maternidade, poderia deixar de ser vista como um motivo para não contratar mulheres, especificamente.

Empresas

Uma vez que você absorveu essa reflexão relacionada à legislação, está na hora de repensar o seu papel como empresário. Todo funcionário precisa estar inserido em um ambiente e relações de trabalho saudáveis que propiciem seu desenvolvimento. Então, é preciso refletir sobre como impactar as carreiras femininas de forma positiva e ajudar na luta por igualdade.

As professoras Tisnley e Ely, cuja pesquisa foi citada no princípio deste conteúdo, comentaram em seus estudos que “investigar seriamente o contexto que dá origem a padrões diferenciados na maneira como homens e mulheres vivenciam o local de trabalho — e fazer as intervenções necessárias — pode ajudar as empresas a traçar um caminho para a paridade de gênero”. De acordo com as professoras, é muito importante que as mulheres parem de ser protegidas e acomodadas por seus gestores no ambiente corporativo, por exemplo.

Diante dessas informações, a dica é instruir seus líderes a apostarem nessa abordagem investigativa para que eles possam “consertar as condições que prejudicam as mulheres e reforçam os estereótipos de gênero”.

Uma boa maneira de começar esse trabalho é voltar no tópico anterior e observar os aspectos apontados como desigualdades vivenciadas pelas mulheres no ambiente corporativo. Realizar uma pesquisa para entender quais deles podem estar acontecendo na sua empresa será o pontapé inicial para compor uma estratégia de mudança.


Refletir sobre a desigualdade de gênero no mercado de trabalho e apontar aspectos que ajudam a manter a disparidade, como papéis desiguais de gênero e a licença maternidade, é um desafio. Porém, são pequenas trocar de ideias como essas que podem contribuir para o alcance da igualdade e da equidade.

Com isso, quem ganha é você e o seu negócio. Afinal, quanto mais profissionais competentes forem valorizados e conquistarem espaço, maiores são as chances de a sua empresa prosperar.

Vamos continuar essa reflexão sobre a questão da mulher no mercado de trabalho? Confira esse post sobre a importância da representatividade feminina no mundo dos negócios!